Em comemoração ao Dia da Psicologia, 27 de agosto, as psicólogas Luciana Zuzarte e Agda Mattoso conversaram sobre experiências profissionais e sobre o presente e o futuro da carreira.
Confira como foi a conversa:
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Luciana, por que você escolheu a Psicologia?
LZ: O curso de psicologia nem sempre foi minha primeira opção. Antes de prestar o vestibular para psicologia, havia feito provas para os cursos de medicina e engenharia, ainda sem saber o que de fato queria. Depois de um ano de cursinho pré-vestibular, pesquisei mais sobre a psicologia, porque queria entender os processos e comportamentos de uma avó com demência. Na época, queria me aprofundar no estudo de comportamentos humanos e no cuidado “sem medicamentos”. Hoje vejo que meus interesses iniciais no curso se aproximavam a uma visão muito geral do que se entende por psicologia no senso comum, mas foram pontos de partida importantes para meus caminhos em minha formação.
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E, considerando os critérios que motivaram sua escolha, a graduação em psicologia correspondeu às suas expectativas, Luciana?
LZ: Acredito que sim. Na época de minha escolha, buscava um cuidado diferente do médico ou medicamentoso, tentava entender os comportamentos humanos de forma menos mecânica, por assim dizer. Com o curso, pude entrar em contato com diferentes olhares e formas de estudar e trabalhar com pessoas, o que ampliou minha visão no sentido de questionar padrões e respostas simplistas frente às mais diferentes situações.
Ao entrar no curso não sabia que era possível encontrar a psicologia de tantas formas e em tantos lugares. Ao longo do tempo, fui percebendo a importância de nossa atuação não só em âmbito individual, naquilo que é mais disseminado que seria o processo de psicoterapia, mas também dentro de grupos, de Instituições, de empresas. Então, se no começo eu queria um curso que me ampliasse a noção de cuidado, a graduação me mostrou que mesmo dentro da psicologia, o cuidado é múltiplo e é essencial que se dê no sentido contrário da limitação, buscando abrir caminhos e possibilidades de ser.
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Luciana, como sua formação contribuiu para a entrada no mercado de trabalho e, quais desafios profissionais você encontra?
LZ: Na USP, onde me formei, temos passagem obrigatória pelo atendimento clínico em consultório, e lá comecei a me encantar pelas possibilidades que esse tipo de acompanhamento pode oferecer tanto para paciente quanto para o próprio profissional. Paralelo a isso, com o curso me aproximei do trabalho em saúde em instituições públicas e em gerontologia, área que estuda e atua no envelhecimento.
Esses interesses acabaram me levando à abertura de meu consultório e à Especialização em Gerontologia, me trazendo novos aprendizados já fora da universidade e também diferentes desafios. Acredito que quando atendemos ou prestamos algum tipo de acompanhamento nas instituições como foi na minha graduação e pós-graduação, a própria Instituição acaba dando um apoio ao profissional que no consultório, por mais que se tenha as supervisões e o espaço da clínica, fica mais difícil de se ter o mesmo apoio.
Com a prática clínica, fui percebendo que minha formação não acabou no dia que recebi meu diploma, muito pelo contrário. Os atendimentos nos colocam em situações diversas e inéditas e precisamos sempre buscar, com ajuda das teorias, de colegas com mais tempo de atuação, de supervisões, do próprio acompanhamento psicológico, a melhor forma para exercer seu próprio estilo de atendimento.
Penso que se por um lado a graduação me forneceu muitos recursos para poder atuar como psicóloga hoje, por outro acredito que ficaram buracos na formação no que diz respeito a questões mais práticas e burocráticas na atuação, por exemplo: como buscar sala para atender? Quais os impostos que devo pagar sobre os atendimentos? Como elaborar um relatório psicológico ou outro documento específico? São algumas questões que minha formação na faculdade não puderam dar conta, porém com os aprendizados construídos lá, é possível procurar as respostas.
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E, qual é o futuro da psicologia, para você, Luciana?
LZ: Em meio a tempos tão conturbados, principalmente quando falamos em saúde, é difícil pensar o futuro da psicologia. Sei que espero que, cada vez mais, possamos falar e cuidar da saúde mental com menos tabus e preconceitos. A psicologia tem muito a contribuir em muitos campos e espero que os caminhos se abram mais e mais. A psicologia ainda é para poucos e é urgente que os mais diferentes modos de se fazer psicologia cheguem onde ainda não estão. Espero que a gente caminhe para esse lado!
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Agora Agda, quais os maiores desafios encontrados ao longo de sua atuação?
AM: Ao longo de quase duas décadas trabalhando como psicóloga os desafios que, ainda encontro, são em relação à educação continuada. Isso implica em dedicar tempo para aprender, revisar conhecimento e prática, segundo as necessidades sociais e dos sujeitos que estão em constante transformação. Além de ter recursos financeiros para investir no desenvolvimento da carreira. Esse binômio: continuar estudando e ter condições de pagar pelos estudos, muitas vezes foi paradoxal, por ser difícil conciliar tempo e dinheiro, diante de tantas opções de modalidades de educação pós faculdade.
Outro desafio, que ainda vejo ser a realidade de muitos formados em psicologia, é o de atuar como psicóloga e psicólogo recém-formados. Afinal, há alguns anos são milhares de formandos ingressando no mercado, anualmente. Daí, cada vez mais os recém-graduados, por serem alvo de estereótipos de idade e falta de experiência, tem que concorrer com número maior de profissionais e, se submeter a condições de trabalho pouco dignas, ou atuarem em áreas fora da psicologia. Com isso, vários colegas acabam abandonando a profissão ou não têm condições para persistir em ter um espaço no mercado de trabalho.
Diante desses desafios acredito que na minha atuação, há quase vinte anos, consegui superá-los com as parcerias e trabalhos que desenvolvi em conjunto com demais colegas e profissionais de diversas áreas como saúde, educação e organizacional.
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Você sempre manteve a mesma área de atuação?
AM: Desde de que me formei atuo nas áreas clínica e organizacional simultaneamente. E, já mudei de abordagem teórica. Pois, através da educação continuada e processo de análise pessoal, ao longo dos anos, passei a ter compreensões diferentes das que tinha quando escolhi cursar psicologia e de quando me formei. Meu entendimento sobre o que é o ser humano e, sobre a prática clínica e nas organizações sempre esteve em revisão, como num modo de me abrir para novas experiências humanas. Com isso, meu olhar sobre a psicologia se modificou e transitou de um pólo mais patologizante até o de cuidado do outro. Entendendo esse ser a partir de seus potenciais para vir-a-ser diferente do que foi até então, se ele quiser, é claro.
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Como você vê o papel do psicólogo hoje na sociedade? Sua visão mudou desde que se formou?
AM: Minha compreensão sobre as construções individuais e históricas que contribuem para nossos diversos modos de ser, mudou bastante desde que saí da universidade. Antes tinha uma visão menos complexa sobre os fenômenos humanos.
Hoje defendo que, diante das exigências do mundo e das tarefas do viver, que nosso papel seja o de cuidar. Não aquele cuidador que pretende decidir e fazer no lugar da pessoa, mas aquele que se coloca ao lado dos que sofrem. É o lugar de um cuidar que apoia, sem julgar e, sem a pretensão de adequar a estereótipos que confinem, as pessoas, em modos de viver acríticos e que consequentemente, impeçam o desdobramento de suas vidas.
Nessa jornada, de quase duas décadas como psicóloga, os desafios que, ainda encontro, são em relação ao estigma, próprio dos assuntos relacionados à saúde mental e, da terapia ser pouco acessível para populações desfavorecidas socialmente.
É fato que a psicologia pode beneficiar um maior número de pessoas e, para isso é importante que nós psicólogos atuemos, em parceria uns com os outros, para desmistificar as sombras sobre saúde mental e irmos além das paredes do consultório, Auxiliando cada vez mais pessoas no processo de conhecimento pessoal, coletivo e de cidadania.
A atuação clínica com sessões individuais favorece, para a maioria dos profissionais, certo distanciamento de outros psicólogos e, acaba propiciando pouco engajamento em projetos coletivos que nos beneficiariam, enquanto classe profissional e, aos clientes também. Assim, eu como terapeuta humanista, penso que a participação em coletivos de psicólogos seja fundamental para superarmos as pré-concepções sobre o fazer da psicologia que pode ir além da abordagem individual e patologizante.
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Existem espaços em que a atuação do psicólogo é essencial, mas que ainda faltam profissionais na área?
AM: A psicologia é uma área em constante transformação. Por aliar conhecimentos e prática, em determinado tempo e espaço, que atenda às diversas demandas humanas. Assim, é necessário pensar a psicologia muito além da clínica. Nas últimas décadas surgiram diversas modalidades do fazer psicológico para atender populações diversificadas e com objetivos diferentes. Porém ainda há espaço, mas com muitos desafios, para psicólogos que atuem com acompanhamento terapêutico e com saúde de idosos, visto que a população está envelhecendo cada vez mais. Outra área na qual ainda faltam profissionais é a social, tão importante para a compreensão e revisão de papéis e de costumes pela qual estamos passando, mas que não é tão valorizada devido ao pouco entendimento dessa prática pelos estudantes e pela população.
E, nesse dia do psicólogo e da psicóloga é interessante discutirmos os diversos modos de fazer psicologia para ampliarmos nossas atuações e contribuirmos para melhores condições de saúde, social e educacional.
Quer saber mais sobre o trabalho das profissionais? Faça contato com a psicóloga Luciana Zuzarte via Whatsapp e com Agda Mattoso pelo site da Terapia Clínica SP ou via Whatsapp.
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